Vistas como secundárias pelo presidente Jair Bolsonaro, as disciplinas de filosofia e sociologia são consideradas essenciais no local onde ele próprio teve sua primeira formação ao escolher a carreira militar, a Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
Dentro da sede da escola em Resende (a 167 km do Rio), as matérias de humanas entram no rol de conteúdos que todo oficial tem que saber para atingir a máxima estampada na parede “Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer”.
“Se nós fôssemos uma indústria, não entregaríamos um carro ou um sabonete, e sim o que temos de mais caro: os recursos humanos. Então essa transmissão de conhecimento é para a vida toda”, resume o comandante da academia, o general Gustavo Henrique Dutra.
Há cerca de um mês, Bolsonaro publicou nas redes sociais que estudava descentralizar o investimento em faculdades de filosofia e sociologia, de onde também saem professores da Aman, para “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”.
Ele corroborava a posição do seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, para quem é importante ensinar um ofício que “gere renda para a pessoa, bem-estar para a família, que melhore a sociedade em volta dela”. No fim, bloqueios atingiram o orçamento de todas as universidades federais, sem distinção.
Para o comandante da Aman, a comunicação do governo sobre o tema foi dúbia. “Não tem como uma pessoa dizer que vai acabar com determinado curso, foi só reajuste de verbas. E se ele teve essa ideia em algum momento, que eu acho que não teve, não foi aqui que ele aprendeu”, diz.
Disciplinas como filosofia e psicologia estão há décadas no currículo da academia onde, além de Bolsonaro, outros sete generais de seu alto escalão se formaram, incluindo o vice Hamilton Mourão. Já a sociologia foi incluída recentemente, em 2015.
As duas primeiras têm carga horária de 60 horas cada e a terceira, de 45 horas, ou 13% do tempo que os cadetes passam estudando durante os quatro anos de formação -sem considerar ensinamentos militares práticos.
“Uma questão essencial na nossa formação é o trato com o subordinado, a questão da sociologia, entender como vão se comportar em grupo. É o motivo pelo qual estamos na Aman”, afirma o cadete Richard Yuri Ribas, que é aluno do último ano.
Entre os autores estudados estão Gilberto Freyre (“Casa Grande e Senzala”), Sérgio Buarque de Holanda (“Raízes do Brasil”) e Max Weber (“Economia e Sociedade”).
Boa parte da bibliografia do curso, porém, é voltada ao tema militar, como a dissertação de mestrado “Histórias de Quartel: Um Estudo de Masculinidades com Oficiais Fora da Ativa” (Juliana Cavilha). Nas leituras complementares, aparece o polêmico guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, com “O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota”.
Mas política não é algo que se discuta, pelo menos oficialmente. O fato de a academia ter sido transferida do Rio, então capital, para Resende em 1944 aconteceu justamente para que se fugisse do burburinho político, frisa o coronel Marcelo Gurgel Silva, comandante do corpo de cadetes.
“É lógico que eles têm aula de geografia etc., ninguém aqui é alienado, mas sem viés partidário nenhum. No ano eleitoral não houve reuniões para explicar, induzir voto, até porque se a gente quiser induzir, o cadete vota ao contrário”, ele ri.
Bolsonaro, no entanto, não deixou de visitar a academia. Em agosto, ainda como candidato, foi a uma cerimônia que celebrou a primeira turma de mulheres. Em dezembro, já eleito, participou da formatura da instituição.
O presidente se formou na Aman em 1977. Nove anos depois, já com o título de capitão, ficou preso durante 15 dias por ter escrito artigo na revista “Veja” pedindo aumento salarial para os cadetes da academia -que hoje ganham em torno de R$ 1.000 mensais.
Ali a rotina começa às 5h50. Os cadetes tomam café, se colocam em formação e têm aulas até as 12h50, quando param para almoço. À tarde, têm tempo de estudo ou mais aula e, então, treinamentos físicos. O jantar acontece às 18h45.
As atividades variarem de acordo com o ano e com a especialização escolhida, mas o dia acaba impreterivelmente às 22h, com o toque de silêncio. O fim de semana é sempre livre, mas eles vão ganhando autonomia ao longo do curso: o aluno do último ano pode sair do alojamento à noite todos os dias, exceto às segundas.
“Para manter a vida deles funcionando, não houve grandes prejuízos”, diz o general Dutra sobre contingenciamentos no orçamento da escola. As verbas da Aman vêm do Ministério da Defesa, apesar de o curso de ciências militares ser uma graduação reconhecida pelo MEC.
A Defesa foi uma das pastas que sofreu maiores bloqueios neste ano, de mais de R$ 5 bilhões, mas, segundo o comandante, a educação foi poupada por ser prioridade das Forças Armadas.
Diferentemente das universidades federais, que temem não poder pagar serviços básicos, na Aman os congelamentos -de cerca de 15% do orçamento de R$ 80 milhões- pararam apenas algumas obras de banheiros e asfalto.
Fonte: Bahia Notícias