O ex-presidente Michel Temer reativou a narrativa de “golpe” em 2016 durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, na noite de ontem. Foi a primeira entrevista dele para a televisão – a primeira mais longa à imprensa – após as duas passagens do emedebista pela “prisão”, em março e maio de 2019. Temer, que desde a saída do Palácio do Planalto mantém certa discrição, falou, em mais de um momento, que não influenciou no “golpe” em 2016, sugerindo, portanto, ser inocente das acusações de golpista. A declaração poderia até ser considerada um ato falho, mas vai reavivar toda a discussão sobre o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Temer por muito tempo foi considerado um dos principais artífices do impedimento de Dilma. No entanto, mensagens reveladas pela Folha de São Paulo e pelo The Intercept apontam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu para o próprio Temer articular uma sobrevida a Dilma em março daquele ano, dias antes da instalação da comissão que deu início aos trabalhos do impeachment. À época, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, se tornou algoz e carrasco da petista e Temer não teria conseguido controlar os ímpetos do correligionário e também da bancada do ainda PMDB, que deu corpo ao afastamento da antiga aliada.
Não assisti à entrevista completa ao Roda Viva. Porém, independente do contexto em que Temer sugeriu ter havido um “golpe”, a declaração tem força para reacender um debate que há algum tempo muitas partes da imprensa têm evitado fazer: foi um golpe a deposição de Dilma? Eu, por exemplo, sempre fiquei incomodado com o uso da palavra em si. Até agora, prefiro tratar o impeachment como uma quebra da ordem institucional, mas previsto dentro da Constituição. Já especialistas em comunicação e política, a exemplo do professor Wilson Gomes, da Faculdade de Comunicação da Ufba, defendem desde 2016 que o Brasil assistiu a um golpe – com todas as letras.
Não precisa ser teórico da conspiração para identificar que desde junho de 2013 até hoje o país vive sucessivas crises políticas. O apogeu dessa crise foi a deposição, institucional, de uma presidente eleita. Sem condições políticas de governar, Dilma deixou o cargo, porém o fantasma da sobreposição de poderes sempre rondou a cena de Brasília. Antes, apenas aliados da ex-presidente seguiam esse raciocínio. Com a fala do ex-vice-presidente, mesmo adversários políticos precisam admitir que a narrativa de “golpe” ganhou novos contornos.
Ato falho ou não, Temer conseguiu retomar certo protagonismo – não antagonismo, como pregado – na narrativa política do Brasil ao falar sobre o passado. E ainda confirmou a veracidade de conteúdos da chamada Vaza Jato. O Brasil, como sabemos, nunca deixa de nos surpreender.
Fonte: Bahia Notícias