No início de 2019, Juliana Fernandes de Souza, 18, foi aprovada no vestibular, mas o sonho de cursar arquitetura teve de ser adiado. Na mesma época, recebeu outra notícia: a volta do osteossarcoma, um câncer nos ossos.
Uma semana antes da primeira fase do Enem, no dia 3 de novembro, ela precisou precisou ser submetida a uma cirurgia. Por isso, fez a prova no leito do Hospital do Graacc, em São Paulo. “Eu tive uma reação à anestesia peridural e precisaria receber medicação na veia durante a prova. Eu não teria feito se não fosse aqui no hospital”, diz.
Juliana foi um dos 23 pacientes inscritos para fazer o exame na unidade hospitalar em 2019. Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), neste ano foram aprovados 31 participantes no país em situação de classe hospitalar para aplicação do Enem, modalidade possível desde 2011.
“O tratamento oncológico é horrível, abala muito o psicológico. Mas é preciso estudar, porque a vida vai continuar depois, e o que faremos se não tivermos estudado nesse tempo?”, diz ela.
Morador do Grajaú, na zona sul, Gabriel Barbosa Cavalcanti, 20, também fez a prova no Graacc. Na adolescência, sonhava em ser jogador de futebol. Passou em peneiras, jogou num time paulista e estava prestes a ir para um clube maior, na região sul do país quando recebeu o diagnóstico de osteossarcoma após sentir dores na perna e fazer exames. O jovem precisou passar por cirurgia e substituir uma parte óssea por uma prótese.
Foi aí que reviu seus objetivos para o futuro. “Estamos num embate entre a vida e a morte. Então preciso querer ter um futuro, e para isso é importante estar antenado e estudar”, afirmou. Seu sonho agora é ser engenheiro ambiental.
O rapaz diz que sem a escola móvel do Graacc não teria conseguido continuar a estudar. “Para nós é complicado frequentar outros ambientes e fazer a prova do Enem numa escola normal, porque há vários fatores de risco. Além disso, tem os efeitos colaterais da químio.”
Gabriel estava numa sessão de quimioterapia quando descobriu que poderia estudar e se preparar para o Enem no hospital. “Eles vão até lá oferecer as aulas, mas respeitam nosso tempo e nossas condições. Os professores lavam as mãos, usam o jaleco e outros itens de proteção para nos ensinar. Isso traz muita segurança”, explicou.
A escola móvel do Graacc surgiu há 19 anos para suprir uma necessidade dos pacientes, a maioria na infância ou na adolescência, segundo a professora Amália Neide Covic, que coordena a iniciativa.
Ela afirma que o atendimento e a preparação para o Enem são elaborados de acordo com as grades e o currículo do ensino regular. “Eles estudam aqui por um tempo, mas eles vão voltar lá para fora e precisarão estar preparados para isso.”
Covic explica que as regras para aplicação do Enem fora da escola são tão rígidas quanto nos locais convencionais. Um fiscal do Inep acompanha todo o processo, os andares são fechados e o acesso é restrito.
Os pacientes também precisam do documento com foto para ter acesso à prova e é exigido o uso da caneta preta. Para receber a aplicação do Enem o hospital precisa fazer um planejamento, incluindo as necessidades de cada aluno durante a prova e indicar quais ambientes são os mais apropriados e se há alguma medicação que precisará ser interrompida durante o exame.
Um aluno que esteja com dificuldades para ler ou escrever pode, porém, contar com um escriba treinado para atendê-lo, com um acréscimo no tempo da prova.
Hoje a escola móvel tem 26 professores que atendem crianças a partir dos 5 anos.
De paciente a futuro médico Em tratamento pela segunda vez contra um câncer, Ramon Afonso, 18, diz querer retribuir no futuro todo o cuidado e atenção que vem recebendo dos profissionais durante essa fase da vida. Ele, que fez as aulas preparatórias e o Enem no Graacc em 2018, conseguiu entrar no curso de medicina.
” Sempre fui das exatas, mas quando entrei no Graacc me interessei pela medicina. Quero poder fazer bem para o próximo, assim como fizeram para mim”, diz.
Ramon começou o tratamento em 2017 contra um osteossarcoma, pouco tempo depois de seu irmão mais velho também ter tido a doença. Os dois encontraram apoio de professores para continuarem os estudos no hospital. Para ele, essa ajuda foi essencial para o êxito dos dois –o irmão de Ramon hoje esta no segundo ano de medicina.
O estudante fiz que nunca pensou em adiar seus planos. “O tratamento é algo pontual, você não precisa deixar o tempo passar. A vida continua fora daqui, por isso ter a oportunidade de continuar estudando fez toda a diferença.”
Fonte: Bahia Notícias