Por causa da crise provocada pelo novo coronavírus, as despesas do governo que ficarão fora da regra do teto de gastos já superam a marca de R$ 516 bilhões neste ano.
Somente as medidas anunciadas para reforçar o combate à Covid-19 e amenizar os impactos na economia somam mais de R$ 230 bilhões em despesas primárias que não estão sujeitas à norma de ajuste fiscal.
Na prática, mecanismos legais usados pelo governo driblam a regra e acabam contornando o limite estabelecido para os gastos primários federais.
Em março, o ministro Paulo Guedes (Economia) chegou a dizer que R$ 5 bilhões seriam suficientes para aniquilar o vírus.
O montante de R$ 5 bilhões foram destinados à Saúde em 13 de março. Mas esse foi apenas o primeiro de vários créditos abertos. O último foi nesta quarta-feira (20), no valor de R$ 10 bilhões.
O governo também tirou do teto recursos como o auxílio emergencial aos informais, cuja prorrogação integral preocupa Guedes.
O programa, proposto inicialmente pelo Ministério da Economia com um custo aos cofres públicos estimado em R$ 15 bilhões, foi ampliado no Congresso.
No entanto, mesmo a nova projeção de R$ 98 bilhões feita pela área econômica após a aprovação do auxílio pelo Legislativo não foi suficiente.
O crédito foi ampliado para cerca de R$ 124 bilhões e ainda pode aumentar.
Questionado sobre a ampliação das estimativas de gastos com a pandemia após projeções iniciais modestas de Guedes, o Ministério da Economia afirmou que não comentaria.
A regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas federais, não impede que o governo gaste mais em ações de combate ao coronavírus, pois o dinheiro para casos de calamidade pública fica fora da restrição, afirmam especialistas.
Aprovado pelo Congresso em 2016, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), o limite de crescimento das despesas públicas foi incluído na Constituição e impede a expansão dos gastos acima da variação da inflação.
Qualquer alteração nessa regra depende de amplo apoio na Câmara e no Senado.
A restrição ao aumento dos gastos tem algumas exceções. Uma delas é o envio de dinheiro para despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
O governo, portanto, tem usado esse dispositivo para ampliar os recursos em ações de contenção da transmissão do vírus e tratamento de pacientes infectados, sem pressionar ainda mais o teto.
Além disso, tem colocado nesse rol dinheiro para evitar demissões em massa durante a crise econômica.
Essa exceção se aplica também a recursos para a realização de eleições, aumento de capital de estatais não dependentes da União e transferências previstas na Constituição para estados, municípios e Distrito Federal.
A regra que limita o crescimento das despesas públicas é sistematicamente alvo de pressão de políticos -inclusive membros do governo- que defendem uma flexibilização da norma.
O movimento foi gerado pela dificuldade do Executivo em destinar mais verba para políticas públicas, já que o Orçamento do país é dominado por gastos obrigatórios, principalmente aposentadorias e despesas com servidores públicos.
Sob as restrições da norma do teto, o espaço que sobra para o governo gastar livremente é cada vez menor.
Em reuniões, Guedes afirma que não aceita a derrubada ou a flexibilização do teto de gastos para acelerar a retomada da atividade após a pandemia.
O ministro insiste em redução dos gastos obrigatórios e estímulo ao investimento privado.
O teto imposto ao governo é global, e não segmentado por ministério.
Ao elaborar o Orçamento de cada ano, Congresso e governo devem ajustar os gastos ao limite previsto. Em 2020, este limite é de R$ 1,454 trilhão.
Até fevereiro, antes da pandemia, havia uma folga de apenas R$ 1,7 bilhão. Não seria possível, portanto, colocar em prática o pacote de combate ao coronavírus com gastos contabilizados dentro do teto de gastos.
Em 2020, por causa da calamidade pública provocada pela pandemia, o governo não precisará cumprir duas regras fiscais: a meta de resultado primário (que reúne receitas e despesas, exceto gastos com dívida pública) e a regra de ouro (impede que a União emita títulos de dívida pública para bancar despesas recorrentes, como aposentadorias e salários).
No entanto, o Orçamento deste ainda ainda está sujeito ao teto de gastos.
Mesmo com o mecanismo de driblar a limitação usado por Bolsonaro, o economista Daniel Veloso Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI, órgão do Senado que monitora as contas públicas), defendeu a regra do teto.
“Isso [gasto de R$ 516 bilhões fora da limitação] é uma necessidade. É uma emergência. A questão é por quanto tempo esses gastos vão continuar. Isso é mais importante que a magnitude das despesas”, disse.
A equipe de Guedes tenta evitar que programas como o auxílio emergencial a informais sejam prorrogados, o que elevaria o nível de endividamento do país e pode comprometer o cumprimento do teto em 2021, quando não há previsão de afrouxamento de regras fiscais.
Fonte: Bahia Notícias