Com o avanço da vacinação entre os mais jovens, o perfil das mortes por Covid se aproxima do padrão observado no início do ano, quando as formas graves da doença se concentravam nos idosos.
Em janeiro, por exemplo, o grupo com 80 anos ou mais representava 33% dos mortos por Covid no Brasil. Em abril, essa fatia encolheu para 12%. Na segunda metade de julho, cresceu para 26%.
A discussão sobre os óbitos de pessoas nessa faixa etária ganhou força com a morte do ator Tarcísio Meira, 85. Como ele havia recebido as duas doses da Coronavac, o caso alimentou teorias infundadas sobre a vacina e sua proteção para os mais velhos.
Mas, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o aumento do percentual de mortes entre os idosos, sobretudo na faixa de 80 anos ou mais, já era esperado e não reflete perda de efetividade da vacina. Pelo contrário, indica que o imunizante também está fazendo efeito nas demais parcelas da população.
Os idosos foram os primeiros alvos da campanha de imunização. Com isso, as mortes e hospitalizações, que costumavam atingi-los mais fortemente, passou a se concentrar em faixas etárias mais jovens, ainda não imunizadas.
À medida que a vacinação se expandiu e pessoas de menos idade foram vacinadas, aqueles com 80 anos ou mais voltaram a ser um grupo relevante entre os que naturalmente são acometidos de forma mais grave pela doença.
Isso não significa, porém, que aumentou o risco de idosos morrerem. O total de pessoas mais velhas que foram hospitalizadas ou morreram está em queda no país desde março.
Na última semana de fevereiro, início da campanha de imunização para pessoas com cerca de 80 anos em São Paulo, 2.244 pessoas nessa faixa etária morreram no país. Na penúltima semana de julho, foram 527 pessoas, uma diminuição de 77%.
Ou seja, na prática há menos idosos nos hospitais e perdendo a vida para a doença, mas, em relação à população geral, eles representam uma proporção maior nas mortes e internações do que em abril, quando eram praticamente o único grupo que havia completado o esquema vacinal contra a Covid.
Os dados tabulados pela reportagem são do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde e consideram o percentual de pessoas mortas por Covid-19 no Brasil. O intervalo analisado foi do dia 3 de janeiro a 24 de julho de 2021.
“Não é que a vacina parou de proteger”, afirma afirma Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
“O que nós temos é a diminuição do número de mortos total por proteção nos diversos grupos, e a consequente normalização daquele fenômeno artificial onde você tinha mais mortes de jovens do que de idosos porque só a população de idosos estava protegida. Quando os jovens passam a ser protegidos, voltamos à situação onde os idosos são os mais vulneráveis”, diz ele.
O virologista lembra ainda que, embora grande parte da população jovem não esteja imunizada, esse grupo é menos suscetível a desenvolver formas graves da Covid, fazendo com que o aumento da proporção de mortes de idosos em relação à de jovens seja observado antes de o país obter uma cobertura vacinal completa.
Além disso, Nogueira afirma que os gráficos mostram um cenário semelhante ao de janeiro, pois naquele momento não havia imunizados, e os grupos estavam vulneráveis de forma semelhante.
“Nós ainda não temos todas as faixas etárias protegidas, os mais jovens ainda não estão tão protegidos, mas eles são naturalmente mais resistentes à doença. Em números absolutos, poucos idosos estão morrendo”, diz. “Nós voltamos a uma situação onde jovens e idosos estão suscetíveis da mesma forma.”
Fenômeno semelhante ocorreu na população com 60 anos ou mais. Conforme a vacinação avançava nesta faixa etária, o percentual de mortes pela doença no grupo começou a cair, enquanto os mais jovens viram seu percentual aumentar, pois os idosos estavam mais protegidos.
Mas o avanço da imunização de jovens e adultos fez o percentual de mortes de pessoas com 60 anos ou mais subir, levando a proporção das mortes a se aproximar do padrão observado no ano.
O médico epidemiologista André Ricardo Ribas Freitas, professor da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, corrobora a tese e diz que, à medida que a população adulta e jovem começou a ser imunizada, o número de mortes nesses grupos diminuiu.
Dessa forma, a proporção de mortes entre as populações mais jovens e idosas mudou, com a diminuição do percentual de mortes das pessoas com menos idade e o consequente o aumento do percentual entre os mais velhos.
“Com o aumento da população de jovens sendo vacinada, você diminui o percentual de mortes de jovens e, ao contrário, aumenta a de idosos. Mas é um efeito de proporção”, afirma. “Se eu tenho 10 bolinhas brancas e 10 pretas, são 50% e 50%. Se eu tirar 8 bolinhas brancas, vai aumentar o percentual de pretas. Isso não significa que aumentou o número de bolinhas pretas.”
Christovam Barcellos, sanitarista e pesquisador da Fiocruz, cita estratégias a serem adotadas para diminuir o risco dos grupos mais vulneráveis. Entre o uso de máscara, o isolamento social e outras medidas, Barcellos destaca a necessidade de testagem em massa da população mais jovem, algo jamais implementado no Brasil.
“A maior parte desses idosos está tendo muito cuidado. Ficam em casa, usam máscara, evitam aglomerações. Quem está contaminando essas pessoas? Provavelmente o grupo não vacinado. Então está na hora de isolar essa população através de testagem. É a única maneira que temos para proteger hoje as populações mais frágeis”, afirma.
Isso é importante porque nenhuma vacina oferece 100% de eficácia. As que têm sido apliacdas contra o coronavírus dão proteção maior contra casos graves, hospitalizações e mortes, mas menor para transmissão ou infecção assintomática. Idosos são mais suscetíveis às falhas vacinais, já que possuem um sistema imune naturalmente enfraquecido, devido à chamada imunossenescência.
Fonte: Bahia Notícias