Depois de Jair Bolsonaro fazer discursos na ONU acusando países ricos de “espírito colonialista” e instituições internacionais de manterem “interesses escusos” na Amazônia, auxiliares trabalham para que a fala do mandatário na próxima Assembleia-Geral tenha menor componente ideológico e transmita comprometimento com a preservação ambiental.
O pronunciamento do brasileiro, que no próximo dia 21 deve abrir a cúpula, é visto por diplomatas e militares como um importante palco internacional para tentar reduzir o desgaste da imagem do país na área ambiental.
O retrato de Bolsonaro como um líder descompromissado com a proteção da Amazônia e hostil a comunidades tradicionais -aliado ao avanço do desmatamento no bioma- é considerado por assessores diplomáticos como um dos principais obstáculos do país na agenda externa.
O pronunciamento está sendo redigido em conjunto pelo Itamaraty e pelo Palácio do Planalto -que terá a palavra final e ainda pode alterar o teor do texto ou de partes deles. A expectativa da ala mais moderada do governo, porém, é que no plano ambiental o eixo da declaração seja a reafirmação de compromissos assumidos na Cúpula do Clima em abril.
Na reunião, liderada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal no Brasil até 2030. Ele ainda antecipou a meta para o país atingir a neutralidade climática para 2050 -o prazo anterior era 2060.
Diante de um ambiente de ceticismo entre parceiros estrangeiros, o atual desafio, segundo auxiliares, é mostrar que as promessas feitas em abril serão cumpridas.
Para isso, Bolsonaro foi aconselhado a destacar em seu pronunciamento o reforço orçamentário feito no Ibama e no ICMBio, agências ambientais que fazem o combate a ilícitos ambientais.
A expectativa é que ele também lembre em sua fala as recentes contratações de brigadistas para o combate a incêndios e as sucessivas renovações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na Amazônia.
A retórica repaginada que o Itamaraty, ora comandado pelo ministro Carlos França, quer emplacar também busca rebater a imagem do Brasil como vilão do aquecimento global. A ideia é pontuar que a elevação das temperaturas é algo global, que não depende apenas do desmatamento na Amazônia.
Assessores trabalham para que Bolsonaro destaque que o fenômeno é causado por outros fatores, como a dependência que alguns países têm do carvão e de combustíveis fósseis.
Eles alertam, no entanto, que o presidente precisa ressaltar que o Brasil pretende fazer a sua parte no combate contra o desmatamento.
De acordo com um interlocutor no governo, o desmatamento no bioma -que de novo tem registrado recordes em 2021- se converteu no grande calcanhar de Aquiles para o Brasil nas negociações internacionais.
Mesmo dados positivos para o país, como uma matriz energética mais limpa do que a de outros países, acabam ofuscados pela sequência de indicadores ruins referentes a redução de cobertura vegetal na Amazônia. A crise hídrica atual, que força o uso crescente de termelétricas, tampouco colabora.
Outro tema candente envolvendo o brasileiro é a questão da vacinação contra a Covid. Nesta quarta, as delegações que vão à Assembleia-Geral receberam uma correspondência dizendo que a cidade de Nova York, onde fica a sede da ONU, exigiria comprovante de imunização para quem fosse acessar as dependências das Nações Unidas e o plenário.
O secretário-geral da entidade, António Guterres, porém, disse que não poderia fazer essa cobrança. De qualquer forma, como Bolsonaro diz não ter se vacinado, sua presença tenderia a criar um constrangimento adicional.
Caso o tom do discurso preparado pela ala pragmática prevaleça, sem grandes modificações na versão final do Planalto, ele deve marcar uma diferença em relação às falas anteriores de Bolsonaro na ONU.
Em 2019, em sua estreia na cúpula, o brasileiro reclamou de “ataques sensacionalistas” disparados por “grande parte da mídia internacional” por causa da onda de incêndios na Amazônia naquele ano.
“Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, disse, na ocasião, em Nova York.
No ano passado, em uma participação virtual na Assembleia-Geral, Bolsonaro voltou ao tema para afirmar que o Brasil era “vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”.
O presidente disse que “instituições internacionais” participam de uma “campanha escorada em interesses escusos” com o objetivo de “prejudicar o governo e o próprio Brasil”.
“O Brasil desponta como o maior produtor de alimentos do mundo e, por isso, há tanto interesse em propagar desinformação sobre o nosso meio ambiente.”
Fonte: Bahia Notícias