Um sistema de devolução de impostos a pessoas mais pobres, mecanismo previsto em duas propostas de reforma tributária de iniciativa do Congresso, pode beneficiar mais de um terço da população brasileira e reduzir a desigualdade com um orçamento inferior ao da desoneração da cesta básica.
Seria possível alcançar 72,4 milhões de pessoas que estão na base da pirâmide de renda com a devolução mensal de até R$ 13,22 por pessoa. Isso significa R$ 52,88 no caso de uma família de quatro pessoas com renda per capita mensal de até R$ 178.
Os cálculos são parte da primeira fase do estudo “Impactos econômicos e sociais do IBS-Personalizado”, que será divulgado nesta terça (9) pelo movimento Pra Ser Justo, que reúne entidades a favor da unificação dos tributos sobre o consumo, e foi realizado junto com pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O custo do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) Personalizado nesse modelo é estimado em R$ 9,8 bilhões por ano. Isso representa, cerca de metade do que o governo deixa de arrecadar com a desoneração da cesta básica, uma isenção que beneficia também pessoas mais ricas e que nem sempre chega ao preço final do produto.
No estudo, foi realizada uma simulação com base no modelo de devolução proposto pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), que colaborou na elaboração da reforma tributária da Câmara (PEC 45).
Nesse cenário, todas as famílias que fazem parte do Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal recebem o benefício. Isso poderia ser feito por meio de isenção na hora da compra ou devolução posterior do tributo.
Duas propostas que estão no Congresso, a PEC 45 da Câmara e a PEC 110 do Senado, preveem esse mecanismo, mas não detalham como o dinheiro seria devolvido.
O valor limite foi calculado com base nos gastos das famílias com itens essenciais da cesta básica, embora a devolução se aplique à tributação de qualquer produto ou serviço com ICMS, ISS, PIS/Cofins e IPI.
Para famílias com renda per capita mensal acima de R$ 178, mas de até meio salário mínimo, a devolução por pessoa cai para 75% do valor teto (R$ 9,25). Acima desse patamar, o benefício é de 35% do teto (R$ 4,63 por pessoa), segundo a proposta do CCiF que serviu de base para o estudo.
Com esses patamares, o IBS-Personalizado beneficiaria mais da metade da população na maioria dos estados do Norte/Nordeste.
O programa poderia ser financiado por um aumento na alíquota estimada para o imposto sobre consumo previsto na reforma de 24,2% para 24,6%.
Esse tipo de mecanismo surge a partir da avaliação de que é mais efetivo desonerar as pessoas mais pobres do que conceder o benefício a determinados produtos, como é feito hoje no Brasil.
“A desoneração não necessariamente chega no preço final. Quando você faz a devolução para a família, garante que os mais pobres vão de fato pagar menos por aqueles produtos. Do ponto de vista da progressividade, é muito mais efetivo”, afirma Débora Freire, professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG e uma das responsáveis pelo trabalho.
De acordo com o estudo, a desoneração da cesta reduz em apenas 0,1% o índice Gini (medida internacional de desigualdade). A reforma tributária tem um impacto de 2%, percentual que sobe para 3,2% com o mecanismo de devolução.
“As desonerações, mesmo da cesta básica, de medicamentos, da Zona Franca de Manaus, têm custo alto e uma redução muito pequena ou até aumento de desigualdade”, afirma Marina Thiago, gerente de advocacy da Endeavor e do Movimento Pra Ser Justo.
“Mesmo que a reforma tire todos esses benefícios, ela tem impacto distributivo positivo. Quando coloca o IBS-Personalizado nessa conta, melhora ainda mais.”
Segundo o estudo, cerca de 85% do dinheiro ficaria com as famílias na faixa de até um salário mínimo mensal de renda; 72% iria para pessoas negras (pretos e pardos) e 57% dos beneficiados seriam mulheres. O Norte/Nordeste receberia 50% do benefício.
“Geralmente, quando se fala em progressividade, se discute mais a tributação de renda. Mas é importante mostrar que, também por esse caminho, a gente consegue trabalhar para reduzir a desigualdade para as famílias mais pobres”, afirma Renata Mendes, líder do Pra Ser Justo.
Ela lembra que um modelo semelhante foi criado neste ano pelo governo do Rio Grande do Sul, para devolução do ICMS estadual. Nesse caso, é feita devolução fixa de R$ 400 anuais para quem está no Cadastro Único federal.
Segundo o estudo do Pra Ser Justo, entre 30% e 20% da população do estado seria beneficiada pela isenção personalizada dos cinco tributos sobre o consumo, mesmo percentual estimado para São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Goiás.
O trabalho mostra ainda que a reforma tributária com o mecanismo de devolução reduz os preços do conjunto de itens adquiridos pelas pessoas com renda média de até oito salários mínimos, compensada pelo encarecimento do consumo da população mais rica. Aqui, o fator principal é a adoção da alíquota uniforme para todos os bens e serviços, prevista nas propostas de reforma.
“A reforma já tem um impacto de redução nos preços da cesta dessas pessoas. Além disso, eles vão receber de volta esse valor [dos tributos], o que mostra o quanto é positivo para os mais pobres”, diz Marina Thiago.
Segundo o Pra ser Justo, a devolução de tributos é uma recomendação de várias entidades internacionais. Muitos países têm dificuldade em implementá-la por conta da falta de informações sobre beneficiários. Esse não é o caso do Brasil, que conta com o Cadastro Único (em geral, para famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou renda total de até três mínimos), que também serve de base para o pagamento do Bolsa Família e outros programas sociais.
Fonte: Bahia Notícias