O governo planeja insistir na votação de um projeto que flexibiliza a legislação trabalhista com a justificativa de melhorar as condições para os informais.
Ao contrário das duas vezes anteriores, em que o Executivo foi o principal defensor das mudanças, o Ministério do Trabalho e da Previdência agora quer a liderança do Congresso na discussão.
O secretário-executivo da pasta, Bruno Dalcolmo, afirmou à Folha que o momento é de esforço para reduzir os quase 14 milhões de desempregados. “Precisamos repensar o sistema trabalhista brasileiro”, disse.
Ele afirmou que, apesar de o mercado formal ter conseguido limitar perdas durante a pandemia -beneficiado por medidas emergenciais, como o programa de manutenção de empregos-, ainda há muito a ser feito, em especial quando considerado o patamar da informalidade.
“Temos um percentual de informalidade de 40%, mas que mascara muito das realidades locais. Em Santa Catarina, 70% do mercado de trabalho é formal. Mas no Norte e no Nordeste, 75% das pessoas em alguns estados são informais. São pessoas que não vão se aposentar”, disse.
Dalcolmo lamentou que a minirreforma trabalhista para flexibilizar as regras de contratação de jovens e pessoas de baixa renda, proposta pelo governo por meio da MP (medida provisória) 1.045, tenha sido barrada pelo Senado.
O texto, que reduzia ou retirava obrigações como o pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), foi aprovado apenas pela Câmara.
Dalcolmo afirmou que a derrubada da proposta ocorreu por causa de uma disputa política em ambiente de “ar condicionado” entre as duas Casas, mas disse acreditar que é possível retomar o texto. “Se a MP 1.045 pode ser aperfeiçoada, vamos trabalhar para isso”, disse.
Agora, o plano é deixar a liderança com os próprios congressistas. “O correto é dar esse protagonismo ao Parlamento. Estamos em diálogo com as duas Casas”, afirmou.
“Entendemos que não faz sentido mandar por MP [novamente] e não faz sentido apresentar esse novo texto sem haver uma sensibilização de ambas as Casas em relação ao drama. Entendo que há uma crescente sensibilização e conscientização para oferecer um ataque para a melhoria do mercado de trabalho”, afirmou.
Um dos argumentos usados é que congressistas de alguns estados estariam se posicionando sem conhecer a realidade do trabalho informal em suas próprias regiões.
Apesar de reconhecer como difícil uma aprovação final tanto na Câmara como no Senado ainda neste ano, Dalcolmo disse confiar que o tema seja ao menos recolocado em alguma das Casas.
“Mais do que esperança, tenho confiança de que esse tema possa ser retomado pelo Congresso. O processo eleitoral é sempre muito deletério, mas esse é um tema suprapartidário. É de Estado, não de governo”, afirmou Dalcolmo.
A estratégia de Dalcolmo, porém, tende a enfrentar resistência no Congresso. Líderes da base aliada ouvidos pela Folha disseram ou não saber da iniciativa ou que dificilmente seria aprovada qualquer minirreforma trabalhista antes das eleições.
O economista Daniel Duque, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirmou que medidas como essa tendem a funcionar mais no longo prazo e que, diante do atual cenário da atividade, funcionaria apenas marginalmente.
“Ideias como essa já foram tentadas e têm sido tentadas nos últimos anos, e elas até tendem a funcionar no médio e longo prazo, quando a economia converge para seu nível de atividade natural. No entanto, em um momento como esse, com muita ociosidade no mercado de trabalho, esse tipo de medida tende a ser menos eficaz”, disse Duque.
“O que o mercado de trabalho precisa mesmo é de aceleração da economia e da taxa de vacinação para poder puxar o nível de empregos. Sem essa maior demanda, essas flexibilizações [trabalhistas] ajudam mais marginalmente”, afirmou o economista.
De qualquer forma, o calendário ameaça deixar a proposta novamente no plano das ideias. Conforme o tempo passa e o Congresso se dedica a outros temas, como a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, a janela para reformas vai se fechando diante da aproximação do calendário eleitoral.
O pacote trabalhista que estava na MP rejeitada pelo Senado causou polêmica ao propor a alteração de diversos pontos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Membros do governo avaliam que essa estratégia foi equivocada.
Para articuladores do governo, a proposta deveria ter focado apenas na possibilidade de criação de novas modalidades de contratos de trabalho.
O Ministério do Trabalho e da Previdência já trabalha na nova versão do pacote trabalhista. A tendência é que não sejam propostas alterações na CLT, como nas versões anteriores.
A ideia, portanto, é buscar espaço para tentar emplacar medidas com potencial de impulsionar as contratações de jovens e informais, sem misturar o debate com as alterações de normas da CLT.
Uma remodelagem dos programas trabalhistas que já foram votados no Congresso está em avaliação, principalmente em relação ao financiamento dos gastos.
Na MP, uma das formas de bancar a redução do custo de contratação de funcionários foi um corte em repasses ao Sistema S. O lobby dos empresários, especialmente do setor da indústria, elevou a pressão no Senado, que já barrou dois pacotes trabalhistas desde o início do governo Jair Bolsonaro.
Em abril do ano passado, a Casa derrubou a MP que criava a Carteira Verde e Amarela, promessa do ministro Paulo Guedes (Economia) apresentada na campanha de Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
Esse programa previa redução de encargos, como contribuição previdenciária, a empresas que contratassem jovens de 18 a 29 anos para o primeiro emprego. Também permitia corte temporário no recolhimento para o FGTS, ou seja, menos dinheiro para o trabalhador.
Em 2021, o plano de criar um novo programa trabalhista voltou. Guedes anunciou, em abril, que iria propor uma medida para estimular o emprego para jovens e informais -parte da agenda de retomada econômica após arrefecimento da pandemia.
Foram apresentados ao Congresso três novas modalidades. Uma delas era o Requip (regime de qualificação profissional). A medida era voltada para jovens, desempregados e pessoas carentes.
O plano previa a criação de bônus (bolsa) de até R$ 550 por mês pago ao trabalhador em treinamento. O contrato estaria vinculado a um curso de qualificação profissional. Após um ano, o trabalhador teria direito a um recesso remunerado de 30 dias. Mas sem previsão de 13º pagamento da bolsa nem de FGTS.
Outro tipo de contratação previsto foi pedido pelo ministro Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), chamado de Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Ele permitiria que prefeituras contratassem temporariamente.
Dos três programas do projeto aprovado, o único que previa vínculo empregatício era o Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego). Férias e 13º estariam garantidos.
No entanto, nesse tipo de programa, haveria uma redução do recolhimento para o FGTS dos empregados -ideia semelhante à Carteira Verde e Amarela.
SITUAÇÃO DO EMPREGO NO BRASIL, SEGUNDO O IBGE
Para o trimestre encerrado em agosto de 2021
13,7 milhões
estão desempregados
13,2%
é a taxa de desemprego
53,1 milhões
trabalham de maneira formal
37,1 milhões
trabalham de maneira informal
Principais pontos do projeto do governo aprovado pela Câmara, mas derrubado pelo Senado
1 – Requip (Regime de Qualificação Profissional)
Voltado para jovens, informais e beneficiários de programas sociais
Jornada limitada a 22 horas semanais; vinculado a curso de qualificação
Trabalhador recebe bônus de, no máximo, R$ 550 por mês. Não gera vínculo de emprego
Trabalhador precisa contribuir como autônomo para Previdência e não há FGTS
Contratos podem ser de 2 anos, com 30 dias de férias após o primeiro ano
2- Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego)
Focado em jovens em busca do primeiro emprego e pessoas com 55 anos ou mais e que estejam desempregadas
Redução do recolhimento para o FGTS dos empregados
Pode receber um bônus de programa de qualificação pago pelo governo de até R$ 275
3- Programa Nacional Prestação de Serviço Social Voluntário
Público-alvo: jovens de 18 anos a 29 anos e pessoas acima de 50 anos
Prefeituras podem contratar temporariamente pessoas para serviços e, em troca, pagar uma remuneração que não pode ser inferior ao salário-mínimo hora (cerca de R$ 5).
Fonte: Bahia Notícias