A produção de feijão no Brasil terá de crescer em torno de 44% – aproximadamente 1,5 milhão de toneladas a mais do que é produzido hoje – por volta do ano 2050, para atender à demanda pelo produto. Esse incremento deverá ocorrer em um cenário adverso para as lavouras, do ponto de vista do clima, levando em conta dados estipulados a partir do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (ONU). As conclusões resultam de pesquisa desenvolvida pela Embrapa em parceria com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), e relatada em artigo publicado na revista científica Agricultural Systems
Os pesquisadores utilizaram para o estudo três diferentes sistemas de modelagem (confira detalhes no quadro abaixo), ou seja, programas de computador que usam cálculos matemáticos para cruzar amplas bases de dados, a fim de estipular como será o risco climático da produção de feijão e quais serão a produção e a demanda projetadas para o grão no futuro.
De acordo com Alexandre Bryan Heinemann, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão e um dos responsáveis pelo estudo, as análises apontaram para uma elevação de temperatura do ar entre 1,23 oC a 2,86 oC, em meados de 2050, na área de produção de feijão no Brasil, dependendo do Caminho Representativo de Concentração (RCP) de gases de efeito estufa utilizado. Os RCPs (sigla para Representative Concentration Pathways) foram estabelecidos pelo IPCC e projetam cenários de aquecimento global e possíveis mudanças climáticas. Localidades da Região Centro-Oeste e dos estados de Minas Gerais e da Bahia podem ser mais afetadas.
Ainda segundo Heinemann, certa concentração de gás carbônico (gás de efeito estufa) na atmosfera contribui para a realização de fotossíntese e para a produtividade da planta. Mas o prejuízo causado pelos gases de efeito estufa na atmosfera pela elevação da temperatura do ar é muito maior, pois interfere, especialmente, na fase reprodutiva da lavoura, causando o abortamento de flores e a não formação de vagens e grãos na planta. Por isso, a tendência diante de um incremento entre 1,23 oC e 2,86 oC é que a produtividade diminua.
O pesquisador lembra a projeção de aumento da demanda por feijão até meados de 2050, indicando a necessidade de 1,5 milhão de toneladas de feijão a mais do que é produzido hoje. Isso representa um aumento de 44% da produção. A produção atual no Brasil é de mais de 3 milhões de toneladas anuais de feijão. “São situações contrapostas: existe o impacto negativo do aquecimento global na produtividade em conflito com uma previsão de maior demanda pelo produto”, afirma.
O equacionamento dessa questão, para o pesquisador, passa pela discussão de políticas públicas. “Os resultados da pesquisa colocam em debate assuntos como a expansão de novas áreas de produção de feijão e investimentos em pesquisa para a geração de cultivares mais adaptadas a estresses abióticos e a melhoria em eficiência no manejo das lavouras”, complementa.
Modelagens associaram dados agronômicos, socioeconômicos e cenários de mudanças de clima
Dados agronômicos de produtividade de duas cultivares de feijão da Embrapa (Pérola – carioca – e BRS Esplendor – preto ) foram associados a informações sobre os tipos de solo do País, cuja fonte é a própria Embrapa, e a variáveis meteorológicas medidas diariamente pela plataforma de informações sobre clima, mantida pela agência espacial norte-americana (Nasa).
A combinação desses elementos, por meio da modelagem, utilizando o programa Cropgro-Dry bean, permitiu estabelecer o comportamento das lavouras de feijão. Essa estimativa cobriu 81% da área produtora de feijão no Brasil, abrangendo as regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, considerando as três possíveis safras: verão, seca e inverno.
Uma segunda ferramenta de modelagem, chamada Agricultural Model Intercomparison and Improvement Project (AgMIP), foi empregada para estimar o impacto de mudanças climáticas sobre as regiões produtoras de feijão do Brasil, a partir da derivação de dados previstos nos Caminhos Representativos de Concentração (RCP) de gases de efeito estufa estabelecidos pelo IPCC. No caso, foram utilizados dois RCPs (RCP 4.5 e RCP 8.5), considerados os mais significativos para a cultura do feijão.
Um terceiro software de modelagem, o Impact, foi aplicado para integrar informações socioeconômicas a cenários futuros para a cultura, envolvendo uso da terra, preço de commodities, estimativa de oferta e demanda do grão, ganhos em produtividade da lavoura, dentre outros.
Estresse à seca
Heinemann realizou também outro trabalho, relacionado ao impacto de mudanças climáticas sobre a principal região produtora de arroz de terras altas no Brasil, considerando os estados de Goiás, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins, onde o cultivo é realizado entre novembro e janeiro.
A partir de dados do solo, das épocas de semeadura, do zoneamento agroclimático para a cultura e de registros históricos de estações meteorológicas do Instituto Brasileiro de Meteorologia (Inmet), foi projetado qual seria o comportamento das lavouras de arroz de terras altas em combinação com as previsões dos RCPs. Para isso, foi usado um programa de computador chamado Oryza2000.
Com essa aplicação, foi possível estimar o comportamento, ao longo do tempo, de fatores como a precipitação pluvial, a radiação solar, a temperatura do ar e a concentração de gás carbônico na região pesquisada. A combinação desses elementos evidenciou que poderá haver impacto do aquecimento e da mudança climática para a produção do arroz de terras altas na região central do Brasil, em meados de 2050, com uma maior exposição do produto ao estresse e à seca. De acordo com as projeções, pode haver redução entre 40% e 60% da água necessária às plantas de arroz.
“Essa pesquisa aponta a necessidade de redução da emissão de gases de efeito estufa para diminuir a pressão sobre o aquecimento global e, como desdobramento, a mitigação de possíveis mudanças climáticas. Outra questão é que os programas de melhoramento do arroz no Brasil precisam dirigir esforços para promover a adaptação da cultura à maior tolerância à seca em condições de estresse, especialmente, em determinadas fases críticas, como em estágio reprodutivo das plantas e em final de ciclo das lavouras”, conclui Heinemann.
Inteligência climática
Uma das atuais discussões sobre a melhoria da produção no campo envolve princípios da chamada Agricultura de Inteligência Climática (em inglês, Climate-Smart Agriculture, sigla CSA). A CSA visa à gestão da agricultura voltada à segurança alimentar diante de cenários de mudanças climáticas. É uma iniciativa que fornece base para o apoio a políticas e recomendações de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Um dos pontos da CSA é a necessidade de gerar meios que possibilitem a implementação de seus princípios. Uma das maneiras de atuar nesse sentido é a proposição de Índices de Inteligência Climática (Climate Smartness Index, sigla CSI), indicadores para a melhor condução de lavouras, que podem ser obtidos por meio da utilização de ferramentas como os programas de simulação e modelagem.
Pesquisa da Embrapa testou a elaboração e aplicação de Índices de Inteligência Climática em várias estratégias de manejo da água para sistemas de produção de arroz irrigado por inundação em região tropical brasileira. Foi usado o programa de modelagem DeNitrification-DeComposition (DNDC). O objetivo foi avaliar a sensibilidade de indicadores para a finalidade de CSA, agrupando dados de produção, eficiência no uso de água e emissões de gases de efeito estufa. O resultado fornece parâmetros para medir cultivos que busquem se adequar aos preceitos estipulados na Agricultura de Inteligência Climática.