Poderia ser só mais um gol de Germán Cano pelo Vasco. Mas o argentino ficou marcado por uma comemoração na vitória por 2 a 1 sobre o Brusque em 2021, em que os três pontos conquistados pouco serão lembrados na história. Foi a primeira partida do clube em que os jogadores utilizaram um uniforme em apoio à população LGBT+ em 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBT. Além disso, na celebração do gol, o atacante ergueu a bandeirinha de escanteio, nas cores arco-íris, em um gesto que viralizou nas redes sociais. Desde então, a comercialização da camisa foi um sucesso nas arquibancadas de São Januário.
O mesmo fenômeno aconteceu com a do Bahia, nos jogos na Arena Fonte
Nova, que foi lançada meses antes. A reportagem do Estadão conversou
com vários torcedores dos dois clubes que usaram o uniforme em partidas
nos estádios brasileiros e nenhum relatou qualquer problema de
discriminação.
“A camisa se tornou uma peça
muito histórica para nós do Bahia. Estamos sem lote até. Ela é muito
mais vendida pelo mercado informal em vários pontos de Salvador. Muita
gente ainda procura e estamos tentando ver se faremos um novo lote. A
camisa é da nossa torcida e o clube autorizou o uso e depois passou a
vender na loja oficial. Todos usam sem qualquer importunação”, explica
Onã Rudá, fundador da LGBT Tricolor, que lançou a camisa em parceria com
o clube baiano. O Bahia registrou mais de 500 vendas de camisas.
Para
realizar a série de ações no ano passado, o Vasco consultou o grupo
Vasco LGBTQ+ para saber o que o coletivo achava das ideias e se tinha
sugestões para contribuir com o projeto. “Participamos de uma reunião
com o Horácio Júnior (vice-presidente de Responsabilidade Social e
História), eles foram extremamente incríveis com a gente. Ajudamos a
escrever o manifesto. A instituição esteve muito aberta e disposta a
entender nosso local de fala e nossas opiniões. A gente se sente seguro
no estádio com tantas camisas coloridas pela torcida, inclusive é bem
emocionante ver tantos torcedores usando com tanto orgulho, saber que
torcedores de outros times também quiseram comprar nossas camisas para
mostrar apoio e respeito é muito gratificante”, explica a torcedora
Beatriz França.
O diretor de Relações Públicas
do Vasco, Marcus Pinto, lembrou a importância da defesa das causas
sociais na história do clube e destacou que a camisa LGBT+, que teve
mais de 20 mil unidades vendidas, foi abraçada pela torcida. “A camisa
foi e é um sucesso de vendas e os torcedores a utilizam sem qualquer
problema. Não temos um ranking de camisas mais vendidas, mas essa já
ultrapassou a marca de 20 mil unidades. A história do Vasco se confunde
com a história de lutas a favor de causas sociais, como a Resposta
Histórica de 1924 contra o racismo, e no caso específico da camisa não
poderia ser diferente”, disse.
As camisas LGBT+
de Bahia e Vasco também caíram no gosto de torcedores famosos como a
cantora Teresa Cristina e o comediante Fábio Porchat, ambos do time
carioca, e a campeã olímpica na maratona aquática Ana Marcela Cunha, da
equipe baiana, que usaram as redes sociais para divulgar as camisas. À
época do lançamento, o então meia do Vasco João Pedro publicou em seu
Instagram, orgulhoso, uma foto com suas duas mães vestindo a camisa
especial para a data.
Nesta terça-feira é
comemorado o Dia Internacional do Orgulho LGBT e, no último fim de
semana, Fluminense e Vasco jogaram suas partidas com uniformes em apoio à
causa e à luta contra a discriminação. Antes da partida contra o
Operário pela Série B, o clube de São Januário ainda levou bandeiras e
realizou um show pirotécnico nas cores arco-íris.
Na
sexta-feira, o Vasco também realizou um manifesto, com suas principais
torcidas organizadas, pela mudança de comportamento nos estádios em
relação à causa. O vice-presidente de marketing e novos negócios do
clube, Vitor Roma, entende que ações como essas precisam ser sempre
exploradas mas não como forma de gerar engajamento. “Mostramos que
estamos sempre um passo à frente. A questão do respeito, a inclusão, é o
mote desta campanha, mas ela vem de um negócio mais englobado, que é o
Vasco lutando pelas causas corretas”, diz o executivo, que complementa:
“Esse manifesto não acaba hoje”.
Outros times
também usaram no ano passado camisas com detalhes com o arco-íris em
apoio ao Dia Internacional do Orgulho LGBT, mas só Bahia e Vasco
comercializaram esses uniformes. Já em setembro de 2021, o Flamengo
lançou um uniforme voltado à causa, mas a camisa comemorativa na cor
roxa e apenas com uma pequena bandeira arco-íris recebeu algumas
críticas.
Na última semana, o ídolo do São
Paulo Richarlyson se assumiu bissexual, sendo o primeiro jogador ou
ex-atleta da elite do futebol brasileiro a tomar esse importante passo. A
barreira do preconceito ainda existe e dificulta que vários jogadores
possam se assumir publicamente, sem medo de represálias.
Nos
últimos anos, a maioria dos principais clubes brasileiros tem feito
publicações em suas redes sociais em apoio à comunidade LGBT+, mas ainda
há agremiações que resistem. O próprio conteúdo das postagens pode ser
muitas vezes “suavizado”, com símbolos e palavras “escondidas” ou com
textos menos contundentes, como foi visto no último dia 17 de maio, Dia
Internacional da Luta Contra a Homofobia.
Dentre
os conteúdos mais elogiados na data, os rivais Atlético-MG e Cruzeiro
chamaram atenção para os graves casos de violência contra a população
LGBT+ em uma postura mais combativa ao preconceito. Um levantamento do
Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, divulgado na primeira
quinzena de maio, mostrou que pelo menos cinco pessoas LGBTI+ foram
vítimas de homicídio no País a cada semana em 2021. Ao todo, foram 262
assassinatos, aumento de 21,9% em relação ao ano anterior, quando o
total foi de 215.