O Ministério Público Federal em São Paulo ofereceu denúncia nesta sexta-feira (24) contra um militar e dois médicos legistas devido à morte de uma militante do PCB durante a ditadura.
Neide Alves dos Santos foi morta em 7 de janeiro de 1976 aos 31 anos em São Paulo. De acordo com a denúncia assinada pelo procurador Andrey Borges de Mendonça, a militante, que trabalhava como caixa de supermercado, fazia parte do setor de propaganda do partido, responsável pelo jornal Voz Operária, e já tinha sido presa em três ocasiões no ano anterior.
O então comandante do DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo, Audir Santos Maciel é acusado na peça de homicídio doloso qualificado. Os médicos legistas Harry Shibata, então diretor do IML (Instituto Médico-Legal), e Pérsio Ribeiro Carneiro foram denunciados sob acusação de falsidade ideológica.
Relatório da época diz que a militante tentou suicídio numa rua da zona norte de São Paulo, ao atear fogo no próprio corpo, em 30 de dezembro de 1975 e foi levada para a Clínica de Queimados no Hospital Municipal do Tatuapé.
Segundo a denúncia, na semana seguinte, familiares foram avisados e, ao chegar ao local, foram interrogados por agentes antes de serem informados da morte. O enterro ocorreu com a presença de policiais, e o caixão não pôde ser aberto.
Para o procurador, o DOI-Codi simulou a tentativa de suicídio para esconder a captura, tortura com queimaduras e assassinato da militante. Ele argumenta que meses antes a unidade militar já havia forjado o suicídio do jornalista Vladimir Herzog, morto em outubro de 1975 e uma das mais conhecidas vítimas do regime.
Também afirma que estava em andamento à época a chamada Operação Radar, contra alvos remanescentes do Partido Comunista Brasileiro.
Para o Ministério Público, a morte foi ocultada deliberadamente, sem inquérito, boletim de ocorrência ou ficha de atendimento médico, por ter ocorrido em ação dessa operação.
Ainda segundo a denúncia, o chefe do IML era próximo a Audir Santos Maciel, hoje coronel reformado, e designou um médico “alinhado”, Pérsio Carneiro, para produzir um laudo que omitisse as circunstâncias exatas da morte.
Mendonça diz que o laudo é propositalmente sucinto, não especifica condições do corpo da vítima nem esclarece corretamente as causas do óbito.
A Lei da Anistia, assinada em 1979, concede imunidade a crimes políticos ou conexos ocorridos de 1961 a 1979. A legislação teve o seu teor validado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento em 2010.
Para o Ministério Público Federal, o caso de Neide não comporta prescrição ou anistia por envolver crime contra a humanidade. A Procuradoria, além da prisão, quer que as aposentadorias e as condecorações dos denunciados sejam cassadas.
A Justiça Federal decidirá agora se abre ação penal, o que tornaria réus os acusados.
Não é a primeira iniciativa do tipo da Procuradoria em São Paulo. Em novembro, denúncia assinada pelo mesmo procurador acusava o ex-comandante do DOI-Codi pela morte do advogado Jayme Amorim de Miranda, em 1975. Em 2018, foi oferecida denúncia relacionada às mortes de dois membros dos grupos Vanguarda Popular Revolucionária e Aliança Libertadora Nacional.
A reportagem tentou contato com os denunciados para comentar o assunto.
Em 2009, Maciel disse em depoimento que não havia qualquer prática violenta nem tortura no DOI-Codi. Sobre desaparecimentos, afirmou que eram pessoas que trocavam de identidade e passavam a viver na clandestinidade.
Em 2017, a defesa de Pérsio Carneiro foi ao STF para suspender depoimento nessa investigação. Na ocasião, os advogados disseram que ele não cometeu crime, só descreveu queimaduras no laudo e jamais informou que se tratava de um suicídio. Disseram que não pesava contra ele acusação de tortura e que a apuração não deveria prosseguir por causa da Lei da Anistia.
Fonte: Bahia Notícias