A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de comprar armas para as polícias no exterior criou incômodo em setores do Exército e selou o mal-estar do governo com a indústria nacional de segurança.
O Ministério da Justiça está elaborando um plano para instalar, por meio de portaria, uma comissão provisória com representantes da pasta, da PF (Polícia Federal) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nos Estados Unidos.
O objetivo é comprar armas para esses órgãos, mas o ministro André Mendonça já afirmou, ao falar pela primeira vez sobre o assunto à Globonews em 2 de agosto, que pretende atender estados interessados por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
O grupo trabalharia inicialmente com Comissão do Exército Brasileiro em Washington. Uma entidade opaca, fora do alcance do Tribunal de Contas da União, da Lei de Licitações e da legislação norte-americana, a comissão tem por objetivo adquirir material bélico sempre pela modalidade melhor preço.
Seus negócios, assim como os das outras duas Forças, são notoriamente nebulosos. Foi por lá que a Aeronáutica, por exemplo, fez em 2017 o leasing de um Boeing-767 operado por uma empresa com licença cassada no Brasil.
“Nossa preocupação é com a transparência e a publicidade, além da isonomia regulatória. Sem essas condições, a indústria nacional será obrigada a levar suas fábricas para fora do país ou fechar”, afirma Christian Callas, presidente do comitê de produtos controlados do Simde, o sindicato dos fabricantes de material de defesa.
Pelas regras atuais, numa licitação, se há similar nacional, ele leva vantagem. Em Washington, isso não ocorre, e a comissão pode ser acionada se houver a justificativa de urgência, por exemplo.
A reportagem ouviu fabricantes de empresas pequenas e grandes, onde a insatisfação com o governo grassa. O que se ouve é queixa de favorecimento a fabricantes estrangeiros e dificuldades inclusive para a exportação por entraves burocráticos.
Isso ocorre enquanto, como disse Bolsonaro na famosa reunião ministerial de 22 de abril, o objetivo do governo é armar a população –o que vem acontecendo na prática, por meio de polêmicas portarias flexibilizadoras.
No dia 18 passado, por exemplo, foi editada uma portaria do Exército visando dar novas diretrizes a processos de compras do setor pelo país. Por dois meses, o Simde deu sugestões ao texto, e nada foi acatado.
Ao fim, estrangeiros ganharam uma moratória de dois anos para vender ao Brasil sem precisar passar sem necessitar passar por todos os testes internos que são obrigatórios para os produtores nacionais.
Neste período, que coincide com o mandato de Bolsonaro, a portaria vedou aos brasileiros a certificação de seus produtos no exterior. No Brasil, o processo de homologação de um equipamento de defesa dura em média três anos, o que leva à inevitável defasagem tecnológica.
A portaria também tirou do Exército o monopólio da testagem dos produtos no país, em tese uma boa medida, não fosse o fato de que não há laboratórios privados habilitados a isso.
Com efeito, uma das líderes mundiais do mercado de armas leves, a CBC/Taurus, anunciou recentemente que irá priorizar expansão nos EUA, onde já produz. Visa eventualmente exportar para o mercado brasileiro, onde enfrenta vetos por problemas passados de qualidade, de lá.
Outras três empresas relevantes, que pediram para não terem seus nomes divulgados, estão de malas prontas para o Uruguai, Paraguai e EUA.
Segundo o ministério, a ideia da comissão ainda está em estudo e a economia que diz prever ainda não foi calculada. Quando Mendonça falou sobre o assunto pela primeira vez, militares ouvidos se disseram surpresos e contrariados, dado que todo o controle de compra de armas no país passa pelo Exército.
A reportagem pediu explicações à Força por duas vezes desde o começo do mês, e nesta quinta (27) ao Ministério da Defesa. Não obteve resposta até aqui.
A argumentação do governo é conhecida desde a campanha eleitoral, quando Bolsonaro prometeu facilitar o acesso às armas: o produto nacional seria de qualidade inferior e mais cara.
A resposta-padrão de fabricantes, não só de armas de fogo, mas de equipamentos não-letais e defensivos, culpa a homologação lenta. Sobre o preço, há a questão tributária: 73% do custo de uma pistola nacional é imposto.
Callas, do Simde, afirma que o sistema é contraditório. “O Ministério da Defesa cumpre seu papel, mas ao fim há toda a burocracia”, diz. “Temos também um problema com a incerteza no fluxo de caixa das compras governamentais.”
Os fabricantes de armas, e aí entram também os de produtos de uso militar, acompanham há tempo com preocupação as movimentações do governo. Isso não afeta, contudo, os chamados projetos estratégicos, compras de navios ou caças, que são muito mais escrutinados e têm necessariamente integração com o exterior.
Há questões políticas subjacentes a tudo isso. A família Bolsonaro não só é uma entusiasta do uso de armas e da facilitação de seu acesso à população, mas também de fabricantes estrangeiros.
Quando deputado, o hoje presidente dizia querer “quebrar o monopólio da Taurus”. Seu filho deputado federal, Eduardo (PSL-SP), fez propaganda em seus canais na internet para empresas como a filial americana da SIG Sauer.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou em junho, essa proximidade gerou ruídos no Exército porque envolveu diretamente a Força. A SIG está negociando com a Imbel, estatal que faz fuzis e munições, uma parceira para produzir pistolas no país.
Eduardo, que protagonizou o lobby pela fabricante, afirmou que defenderia qualquer empresa a entrar no país.
Fonte: Bahia Notícias